Tem dias que a gente acorda sem querer acordar, mesmo quando o sol, sem hesitar, cruza as montanhas de forma encantadora. Acordar em dias assim e encarar uma xícara de café como quem busca respostas para o sentido da vida e procurar entender suas manias, desejos e fantasias; em meio ao choque de realidade, quando se dá conta que a vida é muito mais do que presumimos.
A barreira dos cinquenta – e poucos anos – já havia sido ultrapassada há anos. Sua realidade era buscar nos livros um bom refúgio nos momentos de solidão. Assim, morar em um apartamento pequeno, a poucos metros do mar, com um quarto recheado de livros, e uma mente que não sossegava nunca, por vezes se perdia – não apenas naquele cubículo, mas – no mais profundo de si mesmo.
A literatura, há muito, era a sua maior paixão. E, com a aposentadoria antecipada, pode dedicar-se mais a boa leitura. Sentia que o mundo dos livros, o mundo acadêmico, preenchia suas lacunas existenciais. O vazio também se instalou com a aposentadoria antecipada, trazendo consigo o que aprendeu a chamar de: ócio [criativo?].
Enquanto a grande maioria das pessoas acostuma-se com uma vida mediana, acreditando em crenças limitantes, e achando que dinheiro não traz felicidade, entendia que a vida era para ser vivida, mesmo que os medos – nalguns momentos – insistissem em sequestrar a própria alma.
- Não, definitivamente, não era mais um no meio da corrida dos ratos. Sabia o que queria e aonde aspirava chegar. Ainda que o tempo livre lhe parecesse um abismo.
E quando, os dias pareciam se arrastar, perdia-se em suas memórias, muitas vezes dolorosas, angustiantes; cheias de medos, lembranças, desejos lascivos, fetiches, saudades, expectativas, sonhos. Durante as madrugadas insones, encontrava consolo em rabiscar ideias em cadernos imaginários. [Para posteriormente transcrevê-las em seu notebook]. Eram fragmentos de histórias vividas e outras imaginadas. Poesias inacabadas, questionamentos existenciais sobre o verdadeiro sentido da vida, surgiam com a naturalidade de uma nascente no meio da floresta.
A mente subconsciente é uma usina de transmissão de energias quânticas que dinamizam o que chamamos de ócio criativo. Transformando sonhos em realidade. Devendo-se entender que o que chamamos de realidade é tão somente a forma como percebemos o mundo a nossa volta e o mundo em si mesmo. Ora, somos cocriadores do universo e nesse sistema, não temos que temer ousar romper as crenças limitantes. Perceber e entender que não precisamos produzir algo para o mundo, porém, dar-se conta que se trata de um ato de sobrevivência e superação das próprias crenças limitantes.
O apóstolo Paulo quando indagava se poderíamos fazer tudo o que desejássemos, advertia-nos que poderíamos sim, mas, nem tudo nos seria conveniente, lícito. Assim, nos é livre usar como bem entendermos o livre arbítrio, desde que as nossas ações sejam lícitas.
Aprendera nos livros que a mente é livre para criar, por isso que hoje temos os avanços tecnológicos em diferentes ramos da ciência. Aliás – lembrando Emmanuel, citado por Chico Xavier – a ciência é neta da curiosidade e filha dos estudos constantes. Sabia, portanto, que nos dias produtivos iria escrever seus contos, crônicas e poemas; nos dias não tão produtivos assim, buscaria a companhia dos livros – impressos ou digitais – para preencher o vazio existencial e fazer suas anotações para serem usadas a posteriori.
Assim como se refugiava nos livros, tinha o silêncio como o seu melhor amigo e confidente. Era de praxe exercitar o silêncio silencioso, onde buscava ouvir – sem censura – seus fantasmas, seus medos, desejos, fantasias, solidão, medos. E como gostava do silêncio, os vizinhos pouco sabiam de sua existência. Era uma pessoa extremamente discreta, mas muito solícita. Com ares de quem sabia muito mais do que o que dizia saber. Gostava da solidão. Mas também gostava de gente inteligente. Cultivava na solidão a prática do ensimesmamento [o ato de conversar consigo mesmo]. Parecia – por vezes – carregar o peso de uma melancolia que não o abandonava, um sentimento que fazia com que o seu humor oscilasse rotineiramente. Nalgumas vezes se percebeu vislumbrando o suicídio. [O pouco conhecimento que tinha do espiritismo o ajudava a refazer seus pensamentos e livrar-se das ideias suicidas].
Amante das letras, tinha a sensação de viajar no tempo do eterno agora. Não raro, pegava-se vivenciando as personagens dos livros que lia. E se utilizava dessa prática para criar suas próprias histórias, seus próprios livros, dando sentido ao que parecia desconexo, caótico.
Foi com essa performance que, num desses dias inspiradores, com a chuva de verão dando o ar de sua graça, trancafiado em seu escritório, lembrara do Sr. Visconde de Sabugosa – personagem do ilustre Monteiro Lobato – dizendo-se que o ócio está longe de ser um vazio, sem sentido, pois trata-se de uma pausa existencial para que o eu se encontre com o que realmente importa para si. – Sorriu de seus pensamentos.
E assim, como quem conta um conto e aumenta um ponto, não lia simplesmente por ler – como quem ler palavras soltas e desconexas -, mas pelo prazer que era aquele instante mágico. Entendia que no ócio criativo de sua existência há muito mais a aprender, uma vez que, cada frase lida tem o estranho poder de desvendar a própria alma; cada verso – lido ou criado – manifesta um eco de mundos já vividos ou por viver. Sentir-se assim – absorto nas entrelinhas das páginas dos livros – é sentir o pulsar da ancestralidade no tempo vivido. Ora correndo célere, ora se detendo como um rio a contemplar suas margens.
Naquele silêncio contemplativo – apenas interrompido pelo simples ato de virar a página – dava-se conta que o ato da leitura era mais que um mero ato; era um pacto com a eternidade – e toda a sua ancestralidade -, um navegar por mares que a rigidez da vista humana jamais alcançará. E, de conto em conto, entregando-se ao encanto do bailar das palavras, alimentava a certeza de que o verdadeiro aprendizado não cessa nos bancos escolares – muito menos nos portais mais especializados – tampouco na pressa de chegar logo ao fim, mas na intensidade com que saboreamos cada passo da jornada.